sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

CONTO MEUS NATAIS



Meus natais, na infância, tinham cheiro de tinta fresca: Paredes e janelas pintadas de novo.
Cheiro de cera em pasta.
As donas ficavam de bundas para cima ao esfregar o chão. Arrastando-se, de fasto, até a derradeira porta.
Depois a dança dos panos sobre os pés: A enceradeira.
Cheiro de óleo de peroba;
de cortina nova;
lençóis novos.
Em minha casa haviam uns vergalhões pintados de verde, da cor da janela, transpassando dois pedaços de madeira, chumbados às paredes, serviam de suportes para as cortinas. Ali, mamãe pendurava cortinas transparentes, de filó, de plásticos, coloridas.
Tapetes à porta.
Senhoras batendo tapetes, lavando tapetes...
Nós tínhamos uns tapetes trançados com restos de tiras de pano: Mamãe dizia que eram passadeiras.
Garrafões de Vinho; cheiros de vinho.
Em todas as casas, os mesmos garrafões, embaixo das mesas da cozinha, no canto dos armários.
Árvores de natal.
Não tínhamos árvore de natal no começo.
As casas tinham galhos, de pequenas árvores, fincados em latas, cobertos por algodão: Bolas coloridas, descascadas, papais Noéis de plástico. Tudo tão simples como a própria manjedoura do menino Jesus!
Gosto de castanha.
Em todas as casas, cheiro de rabanadas.
Músicas no ar, misturadas ao burburinho, aos risos contagiados de alegria natalina.
Havia sempre uma roupa nova.
Lembro-me de um vestido azul de babados, passado cuidadosamente para vestir meu corpo de menina-moça.
Em minha casa, algumas rabanadas e pastéis. Outras guloseimas nas mesas vizinhas.
Visitávamos uns aos outros.
Os homens se embebedavam de vinho, enquanto falavam amenidades e riam.
Amigo oculto.
Parentes de longe; lágrimas de surpresa e alegria.
Meninos correndo morro à cima, morro a baixo, num gozo de dar gosto!
Natais de sapatos na janela e de janelas sem grades;
de portas abertas.
Os meus sapatos ficavam dentro de casa.
Só podíamos ficar acordadas, eu e minha irmã, até meia noite.
Íamos dormir como se deitadas em nuvens de sonhos.
Quando amanhecia o dia, corríamos para os sapatos, acreditando, piamente, na fantasia do bom velhinho:
Uma enfermeirinha de plástico branco, com uma cruz vermelha na frente do chapéu, também de plástico, agarrado à cabeça.
Para-pedros, bonequinhos comuns naquela época-, de fraldinhas vermelhas e azuis.
Minha irmã, certo natal, ganhou um bonecão chamado Jorge-shortinho e camisa de botões, feitos por mamãe.
Vestíamos a roupas de Jorge no gato pompom, que sempre voltava sem os shorts.
O presente que mais povoa minha recordação é um fogãozinho de plástico, cujo botijão Zinho, ficava nele pendurado.
Uma bandeja com uma jarrinha de suco, quatro copinhos e k’suco de groselha.
Num outro natal, mais abastado, um fogão com trempes soltas, fornos que se abriam, e botões que giravam. Presente para minha irmã.
Ganhei um telefone azul, com as tampas do fone brancas, disco que girava e som de chamada. As crianças da rua acreditavam que era de verdade.

Certo natal ganhei de um vizinho um jogo de quarto em madeira: Guarda-roupas, penteadeira, e caminha com colchão. Não soube cuidar daquela relíquia, que logo se quebrou.
Mamãe usou seu décimo terceiro salário, para nos dar o presente mais caro. Duas bonecas, com cabelos lisos e olhos que se fechavam ao deitá-las. A minha chamou-se Edna: Morena de olhos verdes-, e a de minha irmã Adriana, loira de olhos azuis.
Nossos presentes eram simples, mas de uma riqueza, que os recursos de hoje não podem comprar.
Meus natais tinham gosto de felicidade que jamais consegui provar novamente.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

OBRIGADA POR SEU COMENTÁRIO.